Em 25 anos de vida já tinha conhecido 3 grandes amores da sua vida, e no entanto, esta era uma alma agnóstica, descrente do amor, porque na verdade, nada sabia sobre ele.
Ninguém olharia para ela duas vezes, não fossem aquelas duas esmeraldas que trazia como olhos na cara e aquele cabelo longo, longo de mais, na opinião de seu pai e sua mãe, que lhe davam um ar de ninfa, mas de moça sem cuidado, de alguém, que aparentemente não se interessava por nada nem ninguém. Gostava de moda, gostava de arte, ouvia de tudo na música, mas do que ela gostava mesmo, aquilo de que ela era verdadeiramente fã, era da vida! Já em pequena sempre se demarcou dos demais por ser aventureira, destemida, irrequieta, que valeu uma série de sustos aos seus pais e uma série de histórias para contar para ela! Estava hoje no “rebound”, como ela própria lhe chamava, no recuperar de mais um final de mais uma história de amor da sua vida. Sentada no comboio, entre Roterdão e Schiphol, o cheiro a canela de um bolo do seu companheiro de viagem fê-la recordar do seu primeiro amor, do seu primeiro caso, do seu primeiro beijo... sim, porque não há “amor como o primeiro”, pensava ela...
Tinha 16 anos, não sabia nada da vida, não sabia nada de namorados e não gostava muito de si, nem do seu corpo, como qualquer rapariga de 16 anos, que se preze! Encontrou-o uma vez no campo do Vasco, perto da Batalha numa das poucas vezes que lá foi jogar basquete com os amigos. Ele não reparou nela, não tinha porquê reparar. A sua T-shirt branca larga, os seus City jeans apertados e All-Star rotas eram só mais um dos bilhetes “AFASTEM-SE DE MIM”, que ela trazia cravados na testa. Ainda assim, logo que o viu ela soube-o: estava de rastos, de quatro por ele, total e completamente apalermada. Iludida pela facilidade com que ele se ria e socializava deixou-se cair a um canto, batendo a bola vermelha baixinho e pensando nos dois, noutro tempo, noutra época. Fantasiar dava-lhe alento. Imaginou-se Princesa e ele Príncipe de mais um conto de fadas. Olhou-o com meiguice e ele atirou-lhe com uma bola à cara. Não foi de propósito. Foi acidental, mas foi o bastante para que os dois se vissem, com olhos de ver, com olhos de quem finalmente vê a pedra que estava ali no caminho e na qual iria ter que tropeçar, quer quisesse, quer não.
-Desculpa, não foi de propósito, estás bem.
- Sim. Sim. Tá ok. Tá tudo ok!
Saiu dali a correr, o mais rápido que pôde, antes que o vermelho todo que lhe carregou as bochechas quisesse sair delas e explodisse ali mesmo, pintando tudo e todos à sua volta naquele tom, de pudor.
Como ela se perdeu em sonhos, fantasias, Ele foi-lhe alimento de muitas noites. A lembrança daquele Príncipe que ela idealizou. Na primeira oportunidade que teve voltou ao Vasco e tentou que os seus amigos, aqueles que a conheciam bem, lhe dessem o máximo de informações sobre aquele Príncipe, mas sempre sem levantar suspeitas! Mas tudo falhou. É inevitável não levantar suspeitas numa idade em que tudo o que seja hormonal é de suspeitar e ao que queria parecer ninguém o conhecia. Mais lhe valia ir comer um rissol à Império e livrar-se daquelas perguntas parvas, que todos teimavam agora em lhe fazer.
-Opá, calem-se, já chega! Mariana, vou à Império, vens?!
- Sim.
Claro que sim, Mariana a sua “fiel escudeira” não a ia deixar ficar mal, não a ia deixar sozinha, num momento daqueles, principalmente agora, na iminência do interesse de Helena no seu primeiro rapaz!
- Acho-o interessante. Quer dizer achei, na altura, porque nunca mais o vi.
- Pois, tá bem, mas interessante tipo “fazia-me a ele”?! Ou interessante tipo “é giro e tal, mas não é para mim”?!
Riram-se as duas... com uma Coca-Cola na mão e depois de se esquivarem dos voos razios das pombas de Santa Catarina ambas saberiam a resposta. À saída da Zara, onde nunca compravam nada, por acharem muito “senhoril”, mas onde não perderam a oportunidade de experimentar tudo o que foi vestido comprido, decote escabroso e o primeiro blazer com o seu primeiro par de sapatos de tacão, deparam-se com Ele.
- Mariana, olha, olha... é ele...
Olharam as duas sem pudor, para um rapaz sentado na esplanada da Império, com uma grande pasta de desenho a seus pés. É artista! Só pode, eu sabia! Como é lindo! Meus Deus, como era lindo. Estupidificadas e sem jeito começam a falar alto demais, depressa demais, pensando assim chamar a atenção sem dar muito nas vistas. Ele olhou para ela, de leve, e como que identificando-a logo, comenta qualquer coisa com o amigo e desatam-se os dois a rir! Ó lástima da minha vida, ó merda de puto rebelde com a mania que é bom.
- Detesto-o! – disse mais uma vez ruborizada ao seu Sancho Pança, que a seguia na lateral.
- Eu também! Anda, esquece lá isso. Vamos até ao largo da Igreja e ficamos por lá sentadas a comer gomas.
Este era um pacto das duas, sempre que as coisas corriam mal, as gomas eram o seu “porto seguro”. Sentavam-se no largo da Igreja da Batalha, por detrás do quiosque e riam-se de quem passava enquanto comiam gomas sofregamente parando apenas para as reabatecer no quiosque do Sr. João, que já as conhecia e volta e meia se alargava nos bónus das gomas. Como era boa a vida naquela altura, nem quando a mãe de Mariana foi operada ao coração as gomas não lhes lavaram a alma. Nem quando o pai de Mariana fugiu e deixou a mãe sozinha como os dois irmãos, mais ela, a vida lhes pareceu acabar!
- Tudo tem uma solução. – lembrava a sábia Helena, e a solução era essa mesmo, a revolta escondida por detrás daquele quiosque, apagada por aquela amizade das duas, abafada pelas trincas que dava em cada goma comprada.
Que seria feito de Mariana?! Que lhe teria acontecido afinal!? Engraçado como a amizade daquelas duas se dissipou no dia em que Mariana entrou para Psicologia, o curso que queria, na Faculdade que queria e Helena não o consegui, tendo que esperar por uma segunda fase para ingressar no curso que pensou que quis e que depois se apercebeu nunca ter de verdade desejado.
Mas a vida era mesmo assim, uma série de voltas e reviravoltas e uma sucessão de coisas boas, encaradas mais tarde como parvas ou desnecessárias. Não havia explicação racional, que fizesse entender o fim daquela amizade das duas. Ou teria havido!? A única mágoa pequenina, que Helena se lembrava de guardar era a de um dia, Mariana lhe ter dito que ia para casa e em vez disso ter ido à festa da Ruca e ter curtido com o Ricardo Samuel, aquele parvo idiota por quem Helena se deixou apaixonar. Muitos anos depois iria agradecer a Deus não ter ela essa lembrança para guardar. Ele ficou-se pelo metro e sessenta que tinha na altura e só lhe acrescentou centímetros em tacões, que começou a usar pela altura das Raves e Festas Trance. Credo, não era mesmo isso que ela queria para ela. Enfim, no seu primeiro mês na Faculdade do Porto, onde entrou na 2ª fase, deu de caras com Ele, outra vez! O rapaz da Império, o tal, o anormal da bola. Partilharam salas de aula juntos, intervalos e à medida que a confiança surgiu, surgiu também uma sensação de conforto e à vontade que levaram Helena a pensar que se tratava de amor. Unidos por um sentido de humor implacável e por umas gargalhadas sonoras, um dia, no meio de uma delas, surgiu um beijo. Durou, durou e nenhum dos dois quis assumir, mas a verdade é que o tempo e o seu arredor tratou de o fazer. Estava assim definido, quatro dias depois daquele beijo, eram namorados. Não se perdiam em longas conversas, as gargalhadas foram dando lugar a uma excitação contida, que fazia as hormonas fervilhar dentro dos dois... e foi assim, que um dia de ponte, em que na falta de aulas e nada de jeito na MTV, ele conseguiu pôr a mão debaixo da camisola dela, desapertar-lhe o soutien, sentir o seu peitinho redondinho e quente e fizeram amor. De uma maneira trenga, atabalhoada, não se beijaram no fim, ele correu para a casa de banho para tirar o preservativo e ela vestiu-se e saiu. No dia seguinte, nos dias seguintes, a coisa melhorou e com a intimidade a aumentar e a curiosidade também deixaram-se perder os dois numa ilusão de amor, que durou três anos. Até Helena deixar de ser novidade e ele ganhar confiança de machão e começar a ter um “side-affair” com uma miúda belga da sua aula de pintura. Helena morreu, chorou dia e noite, pensou que ninguém mais a iria querer, que não seria de mais ninguém e só ao chegar a Schiphol se lembrou que: Quem consegue perder o seu primeiro amor e sobreviver, consegue perder todos os outros da sua vida e gostar cada vez mais de si. Aquela foi a última vez em que um homem lhe dava com uma “bola na cara”. Ela iria sobreviver. Entrou no avião de regresso a Portugal sem um pingo de pena, nem dor na consciência, afinal de contas, sempre era mais fácil esquecer um amor, quando uma viagem de avião nos separa.
E era assim, esta Helena, a nossa protagonista, a nossa “musa” rebelde, prestes a viver a vida, com umas botas de neve nos pés e uma mala de viagem na mão.
Hum...que linda história de amor. É uam novidade que tens que repetir. Fiquei entusiasmada com a Helena, rebelde, envergonhada mas tão viva. Beijinhos
ResponderEliminar:) Uma boa história com uma boa conclusâo:
ResponderEliminar"Quem consegue perder o seu primeiro amor e sobreviver, consegue perder todos os outros da sua vida e gostar cada vez mais de si."
Ás vezes esquecemo-nos disso e nem sempre gostamos de nós, mas tudo na vida é uma aprendizagem e a auto-estima deve ser sempre um aliado!
Kiss kiss
Que história! Adoro histórias de amor mas que não sejam lamechas, a tua está mesmo como eu gosto :D
ResponderEliminarMas como é que está hoje a relação entre as duas?
Sílvia hoje tens aí neve, neve ou gelo não percebi bem, na montanha. Já parecia a Serra da Estrela. ahahahah
ResponderEliminarBeijinhos