quarta-feira, 22 de abril de 2009

Life is Life...


Sentada no meu sofá, olhando pensativa pela janela, na hora em que o silêncio é mais sentido reparo em alguém que toma banhos de mar. São exactamente 19:43, estamos em Abril.

Algures na ilha morreu uma senhora. Vítima de uma leucemia, diagnosticada há cerca de 4 meses atrás. Algures nesta ilha nasceu o Tomás, um menino, filho único, muito desejado de um casal feliz. Enquanto as amigas da senhora que faleceu hoje, choravam chocadas e abaladas pela notícia que sobre elas se abateu, as crianças brincavam, alheias a esta morte, correndo e saltando nas suas habituais brincadeiras. A minha pequenina, sorriu, como sempre ao ver-me, enquanto a educadora virava a cara tentando poupar aos olhos da minha filha os seus inundados de lágrimas. A mãe do Tomás também chorava, de alegria, ao segurá-lo nos braços.
Algures nesta ilha, que não mais é do que o espelho do mundo e parte dele, há pessoas, que ainda trabalham, ansiosas pelo término da tarefa, outras que fazem mudanças, carregando juntamente com os seus haveres uma esperança íntima e secreta de um novo começo, ainda e sempre, cada vez mais feliz.

Enquanto escrevo, algures na mesma ilha, há alguém que ama intensamente os braços de um amor secreto e proibido. E há alguém que sofre, vítima de uma traição.

O Tomás tem agora à frente dele todo um caminho de páginas em branco. A senhora que morreu, viu o seu livro cheio de apontamentos e anotações ser bruscamente fechado, contra a sua própria vontade. Os que trabalham, amam e se mudam estão a escrever as páginas do seu próprio livro, com a mesma rapidez, com que escrevo este texto. E é assim, que a bem e a mal se vive e morre nesta ilha. É assim aqui, como em qualquer parte do mundo. Porque a vida é tudo isto em sintonia. Alternando os momentos, e culminando apenas, quando a própria lembrança da nossa existência cessa, deixando de existir e apagando-nos para sempre. Mas o livro da nossa vida, continua em biblioteca... algures numa estante perdido e o melhor que podem fazer, talvez mesmo até a única coisa que podem fazer por nós depois da nossa morte e algumas vezes ainda em vida, é lembrarem-se dele de vez em quando, recordando-nos enquanto pessoas, nas palavras que fomos escrevendo ao longos das páginas dos nossos dias.

Mulher a 1000/h

O despertador do telemóvel toca às 7 e meia. Sem olhar para ele, o meu marido estica o braço e adia, mais quinze minutos. Volta a tocar, parece que só passaram cinco minutos. Voltamos a adiar. Agora são oito horas e já estou atrasada até em relação aos meus típicos atrasos. Levanto-me totalmente atordoada, faço uma passagem rápida pela casa de banho e salto para a cozinha. O biberon da menina leva oito medidas de leite, e 240 ml. de água. A da termos está muito quente, misturo com uma já arrefecida, que guardo no fervedor eléctrico para estas ocasiões. Dou-lhe o leite. Mamou tudo! Cuidadosamente volto a colocar-lhe a chucha na boca e deito-a. Trato de me vestir, a correr… sim, porque sei que deve acordar já daqui a cinco minutos. Estou a acabar de vestir as calças, quando a ouço. Ainda sem sapatos ou camisola pego nela. Tirar o pijama, tirar a fralda, limpar com toalhitas, aplicar o creme, colocar a fralda. Tem que vestir meias calças, porque agora que gatinha apanha mais frio nas pernas, depois é o body, para não andar com a barriguinha no chão, em seguida as calças, os sapatos, mas não muito duros, nem muito moles, porque está a começar a ficar de pé, mas ainda não anda. Uma camisola, um casaco e levo-a comigo até à casa de banho. Depois é embeber um pedaço de algodão em soro fisiológico e limpar-lhe a carinha. Aproveito que estou perto das escovas, lavo os dentes e penteio-me, enquanto ela espreita para a banheira e rapidamente se desloca até ao papel higiénico, que trata de desenrolar e meter na boca. Filha, na, na, na… Ela abana com a cabeça. Pego nela, vamos até ao quarto. Lá acabo de me vestir, sem ter muita atenção a cores e tecidos, até porque as manhãs de semana não dão grande inspiração a jogos de vestuário e acessórios. Um anel próximo da cor da roupa, relógio, brincos… enquanto ela mete uma das minhas pulseiras de massa na boca e se baba na camisola imaculadamente lavada, que tinha acabado de lhe vestir. Enquanto pego nela para a limpar reparo num cheiro a fralda, que emana do seu pequeno rabinho. Mais uma troca de fralda antes de sair. Tira calças, tira meias, tira fralda, limpa, põe pomada, põe fralda, meias, calças. Pego no bibe do colégio, mesmo à saída. Pego num pacote de bolachas de água e sal, carteira, óculos e calço os meus sapatos.
O caminho até à rua não é longo, era bem pior quando morávamos no 10º andar. Enquanto isso ligam do escritório. Faço os malabarismos habituais para pegar no telemóvel, com as minhas mãos de polvo carregando menina, chaves, bolachas e carteira. Era fax. Desligo a apitadela do meu ouvido e ainda tenho tempo para um breve trocar de palavras com a senhora que todos os dias faz a limpeza no prédio.
Sento a menina no carro, na cadeirinha dela, tendo o cuidado de a proteger do sol. Aperto-lhe o cinto. Tranco a porta, abro a minha pouso a carteira e arranco. Ligo o leitor de CD, Bach para bebés. Ela vem sossegada. Estou sem gasolina. Voltas e mais voltas. Estaciono em frente à Creche, apertando-me no único lugar vazio. Vou ao passeio duas vezes, mas desta vez não dei toques em nenhum carro. Tiro-a do carrinho e dirijo-me até à sala dela. Informo-as da hora da próxima refeição, que dormiu bem, já não tem tosse. Deixo-me ficar um pouco a vê-la brincar com os outros bebés. É fascinante ver o quanto cresceu e se desenvolveu nestes últimos meses. Diz-me adeus com a mãozinha e um sorriso maroto, enquanto outro bebé lhe rouba a chucha. Volto a entrar no carro. Lembro-me, que me esqueci de trazer o cheque para pagar a creche. Amanhã.
São 9 e um quarto. Mas tenho que abastecer. Desta vez acho que não consigo chegar ao escritório sem meter gasolina. Paro, abasteço e ainda tenho tempo para engolir, à pressa, um café queimado. Vou até ao escritório. Ao chegar já tenho um senhor à minha espera. A manhã passa, entre telefonemas, faxes, emails e crónicas. Nunca mais é sexta-feira! Na hora de almoço aproveito para dar um pulo até ao shopping. Tenho que comprar leite e creme para a menina, ir buscar as calças do meu marido, que ficaram para fazer bainha e passo a habitual vista de olhos às montras. Perco-me com um casaco de malha, que visto logo na loja, porque está frio hoje e me esqueci de um. Sinto as baterias carregadas. A caminho do escritório recebo um telefonema da minha mãe. A avó caiu, está doente, bla,bla,bla… entendo meias palavras ruidosas, porque no sítio onde estou não tenho muita rede. Vejo um ouriço cacheiro e lembro-me do artigo que li ontem de manhã no jornal, que a maior causa de morte dos ouriços nas estradas dos Açores são os automobilistas… Está tudo bem. A menina também. Falamos logo. O rádio passa notícias e de repente sintonizo no Cadillac do Roberto Carlos. Piiii-Piii. O atalho de terra faz engasgar o meu carro. Cheguei de novo ao escritório. Acabei de receber uma encomenda da minha tia. Ligo a agradecer e corro para o espelho, para aplicar as sombras, que tanto namorei no blog do mini-saia. Sombras expresso de aplicação rápida em 4 segundos. Uau, 2 euros de magia! Olhos de lince num instante. Volto ao computador e novamente uma tarde de emails, faxes, telefonemas e crónicas. Leio os jornais da actualidade online. Ouço o novo single dos Blasted. Lembro-me do magnífico concerto das Sete Cidades. Namoro um penteado lindo num outro site de moda, que sonho secretamente conseguir fazer em casa. Troco emails com amigas e ponho a conversa em dia com a minha tia. Preparo umas caixas e fichas técnicas. Faço a impressão de uns autos. Olho para as minhas unhas e desejo no meu intimo ter tempo para uma manicure rápida em casa, logo à noite. Lembro-me que não deixei nada a descongelar para o jantar. São seis horas. Saio a correr, desligo o computador, fecho os estores, pego na carteira, tempo para reenviar um último fax. Entro no carro, desta vez é o Pedro Abrunhosa que se sintoniza no meu rádio. Ao chegar à Creche encontro a minha filha de cabelo rebelde e arranhão na cara, afinal a troca de chuchas não correu lá muito bem hoje. Como correu o dia?! Comeu bacalhau e gostou. Que bom. Encosto-a a mim e adormece antes de chegarmos ao carro. Novamente para a cadeirinha numa abertura e fecho constante de portas (tenho o fecho central avariado). Entro em casa com ela adormecida nos braço, mais a carteira, mais os sacos do leite, creme e calças. Deito-a na caminha dela. Tiro casacos, tiro calças, tiro sapatos. Aproveito para fazer a cama e dar um “jeitinho” à casa. Ainda tenho tempo para uma olhadela rápida pela janela da minha casinha com vista para o mar.
Está na hora de preparar o jantar e fazer uma sopa para a menina. Descongelo a carne. Preparo os legumes e hortaliças frescas, um pouco de carne, água fervida e azeite e é só deixar cozinhar. Espero pelo meu marido para começar a fazer o jantar, afinal de contas nunca sei a que horas chegará. Chega espantosamente cedo hoje, são 8 horas. Preparamos o jantar e quando nos sentamos para comer, ela acorda, vou buscá-la. Damos-lhe banho e a sopa a correr, enquanto o nosso jantar espera. Preparamos-lhe um pequeno prato com massa cozida para se entreter enquanto jantamos. Depois do jantar ainda temos tempo para umas brincadeiras a três, entre o arrumar a cozinha e tratar de umas roupas na lavandaria. Novamente o leite dela, oito medidas de leite, 240 ml. de água. Está morno. Apagamos as luzes, baixamos o som da televisão. Dou-lhe de mamar e ela adormece no segundo em que acaba o leite. Tempo de a deitar. Visto o meu pijama. Como uma bolacha no caminho até à sala e aterro no sofá, encostando o meu corpo relaxado ao do meu marido que acabou de fumar o seu cigarro à janela e ainda traz com ele um ar fresco de maresia na pele. Beija-me e pergunta-me: Como correu o teu dia?! E eu respondo: Bem. Normal, a 1000/h. Ele sorri! Adormecemos enrolados um no outro.