quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"O Pensamento Mágico" no AO - 25.02.10


Quem lá esteve sentiu na pele o arrepio de pele de galinha provocado por um excelente texto, dito e interpretado por uma grande senhora, abrilhantado com um cenário simples, mas eficaz e encaixilhado por uma música simples, mas completa! Estou a falar da peça “O Ano do Pensamento Mágico”, que subiu a palco no Teatro Micaelense este Sábado que passou. Eunice Muñoz de voz tremida e rouca, por vezes quase em tom embargado pela constipação que a acompanhou só fez subir em emoção o texto e a comoção provocada pelo mesmo nos olhos, pensamentos e corações dos presentes! Pediu desculpa, por não ter “dado a sua melhor voz” a um público açoriano tão bom e tão meritório do seu melhor, interrompido apenas por um sonoro e regional “Foi ‘xelénte!” arremessado de uma voz feminina no meio daquele público emocionado. Eu, que conhecendo bem o texto e o peso emocional do mesmo, jurei a mim mesma não ceder à tentação de deixar extravasar a emoção pelo vaso lacrimal, resisti até à sua última interpretação, que me levou inteira para um vale de lágrimas comovido quando repetiu aquilo que mais me tocou na peça, a jura de amor eterno e fortíssimo daqueles seus entes familiares, que pensou ser seus para sempre, que pensou nunca ter que vir a largar!
O texto é uma brilhante análise do estado de dor efectiva que se verifica quando perdemos alguém próximo e muito amado e de lição deixa-nos apenas uma: um dia, vai acontecer-nos a nós!
Ninguém gosta de pensar em “coisas tristes”. Ninguém pensa gratuitamente no sofrimento que o amanhã trará, mas se o não pensar o evitasse a alguém, então eu escolheria o amorfismo cerebral. A verdade é que, como a própria Joan Didion tão bem escreveu: “ A vida modifica-se rapidamente... A vida muda num instante... Sentamo-nos para jantar e a vida, como a conhecemos, acaba!”. Que melhor exemplo desta tão verdade querem do que aquilo que se passou na Madeira?! O Homem é pequenino, e a sua existência neste mundo é efémera, esta é a única certeza de vida, que poderemos de facto guardar! Assim, a única coisa que podemos deveras desejar é que no pouco tempo que nos resta, muito de bom nos sobeje! E esta é a minha lição desta semana: A Vida é curta! Melhor é vivê-la bem!

Parte II

Epá, sinceramente eu de musa não tenho lá muito e de rebelde ainda menos. Sou só uma miúda a tentar crescer... e agora deixa-me chegar a casa, para pousar a mala e descalçar estas malditas botas, que só trago calçadas porque eram pesadas demais para trazer na bagagem!

Assim falou Helena.
Não tinha ninguém no aeroporto à sua espera. Aguardava-a agora uma viagem de metro até casa. Passou o “Andante” no leitor, entrou no metro e sentou-se. Ligou o i-Pod, e hoje era definitivamente dia de ouvir a “Betterman”... ai os Pearl Jam. E ela?! Poderia ela encontrar homem melhor?!
Voltou a Roterdão.
O Francesco não era um italiano daqueles típicos, mas ela sabia que depois do João, só mesmo um som italiano sussurrado ao ouvido a faria sair do transe daquele amor tão louco e sucumbir de novo ao prazer de uma nova paixão.
O João, ah, o João... ainda não vos falei dele!? Depois daquela paixão parva dos seus 16 até aos 19 anos pelo rapaz da Império... o totó da Império, o que a trocou pela parva da Belga... a nossa Helena caiu num novo estado de descompensação e descrédito, que durou 4 anos. Isso aliado a uma vida universitária fértil, pelo menos em gazetas e em festas, fê-la cair nos braços do João. Bastou um dia e uma caminhada juntos para se deixarem envolver. Até hoje ela não sabe como tudo aconteceu. Já se conheciam de vista, tinham amigos em comum, ele sempre lhe tinha achado uma piada de morte, ela nem sequer tinha nunca olhado para ele com olhos de “ver”! E numa noite, saidíssimos do Bazar, alcolizadíssimos pelo gin tónico, quis a sorte que ficassem apenas os dois em amena cavaqueira em frente ao rio. E foi precisamente quando o sol começou a nascer, que ele lhe prendeu a cara entre as mãos e ganhou coragem para lhe dar o derradeiro beijo, aquele que ela nunca teria esperado receber. Depois ainda com a cara dela entre as mãos disse-lhe: “Tu és Linda! Espantosamente Linda!”. Caminharam de mãos dadas até à paragem do autocarro, despediram-se, mas a despedida foi breve. O que se seguiu foi um amor de Verão, louco, voraz, que se extingui tão rapidamente quanto apareceu. Isto porque ele recebeu uma proposta para estagiar num projecto na Polónia e ela, inscreveu-se no programa Erasmus e partiu para Roterdão. Em Roterdão, Helena não fazia planos de se apaixonar, mas a voz do João seguia-a onde quer que ela fosse: “Tu és Linda! Espantosamente Linda!”, “Tu és Linda! Espantosamente Linda!”... Ai... perdia-se horas nesta lembrança nostálgica, fechava os olhos e deixava-se estar muito quietinha para ver se ainda não se tinha esquecido do tom, ritmo, sotaque, calor, com que João lhe dizia aquilo enquanto se recordava da sua cara entre aquelas mãos! Tola Helena, tola! Palavras vãs leva-as o vento! E todas nós sabemos do impacto que têm palavras ocas num coração vazio... ainda o alarga mais! Ela estava a dar em louca! LOUCA! Um dia, mesmo com a neve, obcecada com aquelas palavras que teimavam em não a deixar, resolveu sair. Pegou na bicicleta, nas luvas de pele e “ala que se faz tarde”. Pedalou, pedalou, com tanta força que não sentiu o gelo! Queria fugir daquela voz, daquele som, daquelas palavras malucas. AAAAAAH! Berrou! AAAAAAH! SAI!
- Élena! Cosa fai?! Fermate! Stai benne?!
E a voz parou! Ui... quem falou. Parou! E ele apareceu. Ele com o seu sotaque italiano, o seu cantarolar e enrolar de “erres” e vogais muito abertas! Era este o som que ela precisava de ouvir. O Francesco era um italiano simpático de ar amistoso, não excessivamente bonito, nem extraordinariamente interessante, mas ela também não gostava muito de rapazes bonitos! Vivia no seu piso, na sua residência e começaram a partir desse dia a falar mais, a partilhar mais... parecia que nos “homens de Helena”, a partilha era a chave do amor. Mas era sempre uma partilha aparente, camuflada, porque na verdade, nenhum deles conhecia a verdadeira Helena, apenas conheciam a imagem que ela queria dar-lhes a conhecer. Mas bom, ela sabia que teria que voltar a Portugal, eventualmente e que a história que começava em Roterdão, teria que ficar em Roterdão. Helena racionalizava tudo! Tudo mesmo! Para ela era impensável gerir a ginástica de ir para Itália ou trazer Francesco para Portugal, ou ficarem os dois em Roterdão... na cabeça dela estava tudo definido: “What happens in Roterdam, Satys in Roterdam!”. E assim foi, dias antes da data do seu regresso a Portugal deitou-se com Francesco uma última vez, de manhã beijou-lhe a testa e disse-lhe: “Obrigada por teres sido a música maluca da minha sanidade!”.
-Élena! Élena! Dove vade?! Cosa dice amore mio?!
Ela não lhe respondeu. Não lhe voltou a falar! Com Helena era assim, tomava a decisão e era a hora! Não havia volta a dar! E ela tinha um voo para apanhar!

Chegou a casa, finalmente. Tirou as botas, viu o seu quarto, como já não se lembrava dele, deitou-se na sua cama e pensou: Amanhã troco de cartão de telemóvel!
E trocou.