quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Lado lunar da maternidade - HOJE no AO

Toda a gente nos fala das coisas boas de ser mãe. Do lado B da maternidade! Como são lindos, como é bom, como são as melhores coisinhas da nossa vida! E se de facto, também eu sinto que cresci muito com a minha filha e que ganhei um amor sem igual para a vida, agora que sei disso tudo, também sei que a maternidade tem um lado lunar! E como já muito há quem escreva e fale e conheça o lado B da maternidade, eu apresento-vos aqui, numa só palavra, a pior faceta da maternidade. O lado lunar, que é comum a todas as maternidades sentidas, a todas as mães, a muitos dos pais, e principalmente a todos os que se sentem responsáveis pela educação de uma criança: a culpa. Sim, isso mesmo. A culpa é de longe de todas as coisas menos positivas da maternidade a mais negra. Isto porque noites sem dormir, viroses e birras são chatas, mas são passageiras, transitórias, vivem-se por fases, mas a culpa não. A culpa está sempre ali ao lado, de mão dada connosco para toda a maternidade. E a culpa começa no sentimento que cai sobre nós quando não lhes sabemos tirar as dores das cólicas pós-parto, quando nos distraímos e comemos couves ou chocolate e depois os amamentamos ao peito, quando não acordamos durante a noite para lhes cobrir os pés, quando não conseguimos evitar aquela queda, aquele arranhão, aquela esfoladela. A culpa diz-nos olá, bom dia, boa tarde, boa noite! Está sempre lá. Quando os levamos à creche, lavados em lágrimas, porque “num ké i páxcóla, ké fiká contiguuuu….”, quando não os inscrevemos mais cedo na natação, quando lhes recusamos mais um brinquedo, mais um minuto, mais um já vou e mais e mais e mais!
A culpa é educada, mas é chata, não larga, mesmo quando percebemos que precisamos de mais tempo para viver o casamento a dois, mas passamos o jantar “romântico” inteirinho a pensar neles, se estarão bem, se terão comido, se já estarão a dormir, se estão transpirados, tristes, sozinhos. Apesar de saber que os deixámos em segurança, que os deixámos com quem os ama também… mas não como nós. Ninguém ama um filho como nós e saber que eles poderão estar mal e nós não estamos lá para nos sentirmos culpados, mas ao lado deles, arrasa qualquer coração de mãe.
O auge da minha culpa senti-o no dia em que decidi que tinha que voltar ao trabalho. E tinha que, para meu bem e bem da minha filha, retomar a minha vida enquanto ser “não só mãe”, mas também profissional. Nunca mais me vou esquecer do caminho percorrido desde a creche até ao trabalho, quando a deixei pela primeira vez ao cuidado de outros… chorei como chora uma criança desesperada. E não pensem que não pensei em tudo antes… escolhi aquela que considerei ser a melhor creche, com as educadoras mais carinhosas, mais atentas, mais experientes… mas nada disso acaba com a culpa de mãe. Desde aí já desisti de um mestrado e dois trabalhos diferentes, tudo porque não considerava que os horários fossem os mais adequados, porque percebi que a minha prioridade neste momento não é a carreira, mas a minha filha, o que não alivia a culpa, tanto quanto eu pensei na altura. Sei que a culpa não me deixará por aqui, irá acompanhar-me sempre que entender que está na altura de ir de férias sem ela, ou que não lhe puder pagar as férias que ela quer, ou a carta, ou o carro…. Ou, ou, ou…
Deste lado lunar da maternidade ninguém nos fala, porque é irracional sentirmo-nos assim, porque é doentio, porque não é normal, porque é feio, porque não se deve… e eu pergunto-me: se assim é, porque é que eu não conheço uma única mãe, que não se sinta assim como eu, talvez nuns dias mais do que noutros?!