quarta-feira, 21 de julho de 2010

No meio de tantos eus também eu estou...

Quando era pequenina o meu nome era eu! Quando me perguntavam quem eu era, era fácil responder… era a Sílvia, pois claro, e isso bastava! Ao longo dos anos, com o passar do tempo e o acumular de aventuras, fui acumulando epítetos, que ia juntando ao meu “eu”… era a Sílvia, filha da Fernanda e do Zé, era a Sílvia, neta dos “palhinhas” e dos “penteeiros”, era a prima do Tó, a sobrinha da Teresa, a amiga da Xana, da Su e da Marlene, era a Sílvia do Alexandre, a Sílvia das aulas de viola, da patinagem, da FLUP. Enfim… um impensável número de Sílvias, que continuam a crescer e a acumular a “olhos vistos”. Algumas dessas Sílvias, há muito que ficaram já para trás, lamentavelmente, por exemplo, da Sílvia das aulas de viola, só me ficaram os acordes do “Dunas”. Curioso como aquilo que define uma criança é para ela tão claramente e só o seu nome, alheia a tantos outros seres, que desse mesmo nome possam partilhar! Aos adultos, para lá dos epítetos, servem-nos também para identificação, mais do que muitas vezes os títulos… e passamos de Sílvia a Dra. Sílvia, ou Menina Sílvia, ou Senhora Sílvia, consoante o nosso interlocutor, o contexto em causa e o conhecimento mais ou menos formal ou informal das nossas capacidades, habilitações literárias e papéis.
Uma das coisas que mais me revoltou quando casei, foi que deixei de ser Sílvia para passar a ser “a esposa do Engenheiro de tal”… e paralelamente, quando passei a ser mãe, passei também a ser “a mãe da menina X”! Bem sei, bem sei, que por uma questão de poupança de esforços mentais e de memória e maior rapidez e eficácia na comunicação, os substitutos do nosso próprio nome, por nomes comuns, que nos definem são muito mais práticos e eficazes, mas numa altura de mudanças radicais na minha vida… isso marcou-me como se se tratasse de uma perda de identidade, da minha identidade, do meu “eu”, mais simples, mais puro, mais fiel, mais fidedigno… o “eu” Sílvia.
No jornal, semanalmente, o “eu”, que se vos apresenta é um “eu” Mulher a 1000/h, já tendo mesmo sido apelidada de “a mil”… sim… eu também sou “a mil”, pelo menos um fragmento de mim é esse, mas acho cada vez mais difícil encontrar-me a mim no meio de tantos pedaços de “eu”. No fundo, acho que sou o conjunto de todos eles, identificando-me mais com uns, do que com outros, reagindo melhor à resposta a uns e pior a outros! Acho que funciona da mesma forma com todos os “adultos” que conheço.
A propósito de tudo isto vem um acontecimento desta semana, que me fez reflectir sobre a forma como nós nos apresentamos e damos a conhecer enquanto “adultos”, precisamente, pois se para uma criança, o seu próprio nome basta e é só… para um adulto o nome não chega, nem que seja primeiro e último. Frequentemente seguindo-se ao nome e antes de tudo o resto vem a profissão! Ora, numa sociedade que apela ao plurifuncionalismo, à versatilidade, à dinâmica laboral, profissional e individual, numa sociedade em que o mundo profissional se caracteriza cada vez mais pela precariedade e o “fazer muito para ganhar pouco”, também o nosso “eu” profissão aparece cada vez mais fragmentado.
Assim, de cada vez que, em contextos vários, tenho de me apresentar pela minha profissão, para mim é um dilema. Dilema ainda mais agravado, se tiver que me definir profissionalmente por escrito, num espaço de caracteres limitados. Como foi o caso que se passou comigo esta semana, quando de visita a uma loja, e para aproveitar as promoções, me convidam a aderir a um “cartão”, daqueles muitos, que diz que dão descontos. Aceitei. Um desconto nunca é demais. Entre nome, morada, data de nascimento e contacto telefónico, lá chegou a vez de me perguntarem a profissão… nestas situações, que não é a primeira, sorrio (sorriso sempre incompreendido) ao que se segue depois, e mediante a disposição, uma “meia verdade” ou uma “verdade muito incompleta”!
Passo a explicar: a minha profissão de (de)formação é “professora”, palavra curta sintética e de fácil compreensão, que me dá frequentemente direito ao título de Dra., mas já fui “administrativa”, o que me dava direito a um simpático “menina”, também faço locução, às vezes ganho um "senhora" à custa disso,mas se me identifico como mãe, aí passo logo a "Dona"… e se digo que sou revisora, instala-se o trinta e um e segue-se um expressivo e ignorante: “AH?!”. Valha-nos o meu sentido de humor e personalidade forte, que quando mais bem disposta me leva ao atrevimento de rematar com um: “Profissão?! Sou Mulher do século XXI, isso diz-lhe alguma coisa?”.