quinta-feira, 27 de maio de 2010

2 ANOS


Há dois anos a esta parte, por volta desta hora, mais coisa, menos coisa, eu ainda olhava incrédula para aquele ser pequenininho e chorão que estava deitado naquela cama de plástico ali ao meu lado. Durante 20 horas de muitas lágrimas, suor e sangue eu sofri em silêncio na esperança de que no final tudo corresse bem. Quando a vi pela primeira vez, no meio de toda a atrapalhação e dose reforçada de anestesia, o meu primeiro pensamento foi: “A minha filha é ruiva!”. Curiosamente, aquilo que me saiu da boca foi: “Ao menos deixem-me dar um beijo à minha filha!”. Deixaram. Eu beijei-a, mas não a senti. Os mais de 40 minutos que se seguiram foram uma tortura. Eu só queria ter a certeza de que ela estava com o pai, pois como a minha cesariana foi coisa urgente nem sequer o deixaram entrar! Para ele, o meu parto não foi mais fácil. Aguentou as 20 horas todas ao meu lado, controlando gráficos de contracções e atendendo telefonemas ansiosos... ainda hoje ele diz, que só não sentiu fisicamente a dor, mas a angústia foi tanta, que não pôde deixar de sofrer também. Perdi a conta aos “toques” que me fizeram e lembro-me de estar prestes a entrar em choque na mesa de operações, quando por falta de eficácia da epidural me senti quase ser esventrada para a minha filha sair! Não foi bonito, mas foi sem sombra de dúvida a experiência física mais intensa que senti na vida! Quando finalmente me deixaram sair do bloco, ele, de braços dormentes, cara inchada, olhos aguados segurava no colo o nosso pequenino rebento, que quando foi encostada ao meu peito se apressou a mamar como se não houvesse amanhã! E foi aí que a senti... pela primeira vez foi aí que lhe “tirei a pinta”, lhe decorei contornos, me afeiçoei a ela!

Em dois anos de vida dela muito na minha vida mudou. Acho que se chama a isso crescer! E é um facto, eu cresci com ela! Hoje nada me dá mais gozo do que ouvir a voz dela, o seu sorriso e nada representa maior tortura do que saber que ela está a sofrer ou triste, ou doente! Se ela estiver bem, eu estou bem... e eu tenho feito durante estes 2 anos, das tripas coração para que tudo esteja sempre bem com ela! Tenho tido sucessos e alguns revezes, mas no geral, estes foram os dois anos mais marcantes da minha vida, sem sombra de dúvida!

À minha filha escrevi há tempos largos uma carta, onde vou acrescentando coisas que não quero deixar de lhe transmitir, porque estou certa, que se algum dia eu lhe faltar, alguém lha fará chegar em mãos... Hoje, porque o dia é de festa, vocês também recebem prendas e passo a transcrever os parágrafos iniciais dessa carta, totalmente inéditos, totalmente por ler, totalmente sentidos. Espero que gostem!



“Carta à Minha Filha:
Servem as presentes e futuras folhas de papel desta carta para te transmitir tudo e qualquer coisa que não me lembre de te ensinar ao longo dos dias da nossa convivência conjunta.
No caso de algum dia te faltar e/ou por ausência de mente ou capacidades físicas te não possa transmitir aquilo que tenciono ensinar-te, mostrar-te, dizer-te ou pura e simplesmente dar-te a conhecer ao longo das nossas vidas, gostava que lesses esta carta, e no caso de a não puderes ler, que a lessem para ti.
Antes de mais nada, e a coisa mais importante que eu quero que tu saibas e de que nunca te esqueças é que... tu, Minha Filha, foste fruto de um grande amor e és amada de uma forma tão forte, intensa e incondicional, que se torna indescritível o sentimento que me deste a conhecer.
Tu, minha amada, desejada e querida filha tens o mérito de me teres dado a conhecer o único amor que não necessita de retribuição, que é infinito e infindável e que me levaria a abdicar de tudo na vida, incluindo da própria vida em si, se tal se provasse necessário.
Por tua causa tornei-me uma pessoa melhor e decidi tomar em mãos a tarefa de melhorar o mundo, para que um mundo melhor te possa acolher.
Desde que nasceste tudo na minha vida gira à tua volta e tu estás em tudo nela.
Minha querida, cresce e vive sempre com a certeza de que és muito amada e que se depender de mim, nada te faltará!
No meu curto tempo de vida aprendi algumas coisas que penso te possam ser úteis. Algumas dessas coisas serão talvez tão essenciais à tua vida como forma à minha:
1. Não queiras viver a vida sem amor! Amar o próximo e amarmo-nos a nós próprios é tão essencial à vida como o próprio acto de respirar. Mas lembra-te, para amares e saberes amar os outros, tens acima de tudo que te saber amar a ti própria.
2. Ama-te a ti própria, pois ninguém o fará melhor do que tu. Estima-te, aprende-te, conhece-te e acima de tudo aceita-te! Exactamente como és, com todas as perfeições e vicissitudes... pois se há algo que aprendi é que se tu não te amares, dificilmente alguém te amará também.
3. Acredita em ti. Mais do que ninguém tu conheces-te a ti própria. “ouve-te”, “respeita-te”, “protege-te”. Defende aquilo em que acreditas e não tenhas medo de rumar contra a maré, mas lembra-te, não o faças por orgulho, fá-lo por convicção!
4. Lembra-te: todos são nossos semelhantes! Como nós, todos têm alegrias, tristezas, dias bons, dias maus, todos são filhos ou pais de alguém, irmãos ou amigos... por isso, independentemente da raça ou credo faz aos outros como quererias que fizessem a ti!
5. Aceita os erros. Afinal de contas, “errar é humano”. Hoje erra outro, amanhã errarás tu! Aprenderás com o tempo, que aceitar os erros é encará-los de frente, evoluir e aprender.
(...)”



A carta continua, mas é para ela. Não podia deixar de o ser. Como tudo na minha vida, desde o dia em que a senti nascer!


PARABÉNS Minha Filha, Meu Amor!

Obrigada pela dádiva da tua vida na minha!