quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"Le Joie"...


Nada melhor do que encerrar a semana com uma bela de uma constipação no pêlo, daquelas que nos quebram a espinha, nos cortam a respiração e nos transformam numa espectacular máquina de fluidos viscosos que nos pingam do nariz como uma torneira com folga!

Mas igualmente bom é ter que continuar a manter o mesmo nível de desempenho familiar e laboral, mesmo com esta maldita em cima de nós! Sim, porque a filha precisa na mesma de atenção, o marido idem idem, aspas aspas, o patrão continua a esperar de nós a pontualidade, afinco e dedicação de sempre, mas será que esta gente não se lembra que eu estou só com metade de oxigenação no cérebro!? IRRA!

Para além disto tudo mudei de pílula e sou mãe, o que me torna um banho fervilhante de hormonas e o bicho mais bipolar à face da terra!

Ontem, na busca pela agenda perfeita para o maridão, requisitos: uma página por dia e capa flexível, lá me perdi nos livros de literatura infantil. Acabei por comprar um da Shoppard, com um CD de música, que fez um sucesso com a minha filha! Amou tudo, o livro, a música, e por momentos a maternidade pareceu-me a coisa mais doce ao cimo da terra, enquanto ela abanava a cabecita sentada no banco de trás do Popó da Mamã ao som de Mozart e Schubbert e instrumentais de flauta que nos puseram a saltitar às duas, de tal forma que por momentos aquele meu carro pareceu ter os amortecedores mais moles de sempre. Chegadas a casa, abrimos o livro, sequiosas, e ela maravilhou-me com o seu extenso vocabulário: Mu-Mu, Mé-Mé, Au-Au, Bu-Bu (urso), quá-quá, boqueca (boneca), Grrrr (leão) e uma respiração repetida e fungosa (porco)! A cada dia que passa está mais entendida e comunicativa... já se senta no puff sozinha, de bolachas numa mão e chupeta e cobertor na outra à espera do NóNó (noddy), ou da Kitty, que já diz também muito bem!

Mas depois temos manhãs como a de hoje, em que eu faço o esforço de me levantar cedo para chegar a horas, lhe preparo o leite e rezo para que depois de mamar ela continue a dormir, para ter tempo de um banho e me vestir sem ela agarrada às minhas pernas a pedir colo ou o “bai-bai”, nome carinhoso que dá ao seu cobertor muito amado, ou a “pépé”, nome da chupeta... Enfim... prestes a ligar a água do banho, sinto-a chorar! Conclusão: já não há banho para ninguém! Vou buscá-la e trato de a arranjar primeiro, para não ter tempo de se constipar... tiro o pijama, mudo a fralda, ponho creme, visto meias, visto body... não tenho camisolas quentes para ela... pouso-a no chão enquanto vasculho na sala o cesto de roupa para passar a ferro. Ela aparece com uma camisola da Kitty na mão, que tirando o facto de já não lhe servir seria perfeita... boa, agora tenho que encontrar outra da Kitty, que lhe sirva, que seja quente, que não esteja muito amarrotada... Lembro-me que está só de meias no chão frio da sala, pego nela ao colo, corro com ela e as duas camisolas para o quarto “Vês, é da Kitty, gostas?” – “Não, Não!”... ultimamente esta dupla negativa dela tem sido resposta para tudo.”Ok, gostas, gostas que a mãe sabe!”. Luto com ela para lhe enfiar a camisola entre berros e lágrimas e ranho a escorrer do nariz das duas. Visto-lhe as calças e calço-lhe as sapatilhas, mesmo a tempo de ir a correr à casa-de-banho buscar um pedaço de papel higiénico para nos assoarmos. Estamos sem lenços de papel em casa e o rolo de cozinha estava mais longe! Enfim. Assoei-a, assoei-me. Deitei os papéis no caixote do lixo, mas depois ocorreu-me que ela os pudesse ir lá buscar. Toca de tirá-los do lixo e atirar para a sanita! MERDA. Agora tenho que lavar as mãos e ela já me está a puxar as calças por trás... “Cóló”, “Cóló”! MERDA! Lavo as mãos full speed, pego nela e vamos para o meu quarto. Coloco-a em cima da cama, em frente à televisão e reparo que ainda não a penteei. MERDA. De novo, pego nela, casa-de-banho, lavar a cara, pentear aquele cabelo em tudo igual ao meu, trunfoso, de juba, rebelde, entre o encaracolado e o fardo de palha agreste que rola com o vento nos cenários do faroeste! Esta repa dela já não tem jeito, vem-lhe para cima dos olhos... travessão, travessão... ah, boa, encontrei um! Já está! Antes de chegarmos ao meu quarto de novo, já ela o arrancou do cabelo e se despenteou toda. Ligo-lhe a televisão! Bendita RTP2, está a dar aquela ave, a Cantilena, e aqueles adultos que falam mesmo ao jeito de lhe prender a atenção o tempo suficiente para eu ir a correr até ao quarto dela, encontrar uma fita que combine com a roupa, passe na casa-de-banho e traga mais um gancho e um pente! AHa, apanhei-a entretida, em transe de “macacada” e lá a penteei. Que linda! De fitinha! OK, agora eu. Casa-de-Banho, outra vez, pente... no quarto. MERDA! Penteio-me com as mãos e o sérum. Lavo a cara, tiro o pijama, a caminho do quarto tiro a roupa interior, junto tudo a um canto para levar mais tarde para a lavandaria, visto roupa interior, escolho uma camisa, umas meias, umas calças, um casaco, que se me prende na bota enquanto as tento calçar, por pouco não caio. Olho para ela, já tirou a fita. MERDA. “Mamã, Cócó!”. OH! Maravilha das maravilhas, era só mesmo o que faltava... corro para o quarto dela, pego no creme, nas toalhitas, numa fralda e em dois elásticos para o cabelo! Mudo-lhe a fralda, enquanto ela se prende no Babar, que está a dar na TV. Prendo-lhe novamente o cabelo depois de muitos... “Não, Não!”, “Tótó, Não, Não”! MERDA. Tem que ser filha, vá lá! Ok. Já está. Ponho uma nesga de base, faço um risco de eyeliner à pressa, perfume, sombras à Picasso, olha um colar mesmo aqui à mão, enfia, e uns brincos, e uma pulseira, só falta o rímel. FEITO. “Filha, casaco e bata!” – “Não, Não!”. Tá, ok. “Mamãe, papa!”- “Queres uma bolacha, é?!”. Ela esconde-se atrás das cortinas, eu pego na carteira, noutro casaco, na bata dela, no casaco dela, num gorro, nas luvas, pouso tudo na cozinha. Procuro as bolachas de mel do Noddy, que ela tanto gosta, levo-lhe umas tantas na mão, enquanto pergunto em tom de brincadeira apressada: “Onde está a minha filha?!” – “Tété” – “Ah... estás aqui!”. Ela escapa-se por detrás das cortinas, foge para a sala, senta-se no puff, estende as mãos para pedir as bolachas e diz: “Nónó!”. MERDA! “Não filha... agora tens que ir para a escolinha...”. Bom, entre esperneares e choros gritantes, enfio-lhe a bata, meto os casacos e o “bai-bai" na minha carteira, telemóvel e chaves, pego nela ao colo, com chucha e bolachas na mão e apresso-me para a porta. Chegadas ao elevador, o burro de carga e a princesa, esta, olha para o espelho e apercebe-se dos totós que lhe fiz... “Tótó, Não, Não” e prepara-se para largar bolachas e chucha para os arrancar! MERDA! “ Não! Filha... Olha... olha... estamos a chegar ao carro, vês! Vamos ouvir música, tá?! Isso não são totós... Não... Olha, Olha... o carro!”. Chegamos. Pouso tralha. Ponho-a na cadeira, rezo para que se tenha esquecido dos malditos totós. Aperto-lhe o cinto. Dou-lhe o "bai-bai" e ela abre a boca... “Ah, AH!” – Ok, percebi, quer cuspir as bolachas. Já sei o que se segue: “Pé-Pé!”. Já a tenho em riste. Enfio-lhe a chucha na boca, dou-lhe o cobertor, para se aconchegar e vou para o meu lugar. Tiro um dos muitos papéis que tenho algures na porta do carro, deixo lá as bolachas, ligo o CD, hoje temos Baby Bach, e espreito-a enquanto ela matreira se tenta livrar dos totós de novo. Olho para o relógio... MERDA! MERDA, MERDA! De novo atrasada...

Arranco... e na minha cabeça um pensamento só: “Raios me partam, rapariga, se não faço de ti uma miúda feliz, penteada e musicalmente inteligente! Rai's m' parta, vou dar cabo de mim enquanto o faço! MERDA".

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