quinta-feira, 30 de abril de 2009

No espaço de um espirro


Ontem, no espaço de um espirro aprendi sobre mim: que não lido bem com críticas; que a injustiça me leva aos píncaros da raiva; que a minha resposta é escrever; que duvido das minhas capacidades; que guardo em mim, uma secreta e completamente ridícula esperança de um dia vir a salvar o mundo; que acredito na educação enquanto forma de resolver muitos dos problemas, que nos afectam; que ainda acredito numa justiça impotente, por vezes corrupta, mas com ideais; que falo alto quando me enervo; que as pessoas de quem gosto, se assustam com a forma como argumento contra tópicos apaixonados; que encaro a escolha partidária na política como tabu; que não gosto de pizza de 2 queijos com rúcula açoriana; que os meus amigos são de prata e bronze, mas uma tia como a minha vale ouro; que amo os pés descalços da minha filha e por fim, que já não saberia escrever, argumentar, lutar e acima de tudo, não seria capaz de perceber tudo isto sem ti! Obrigadaaa....tchim! ;)

Um conto de encontro...

Ela fechou a porta e saiu.
Ele voltou a olhar para a televisão e os dias passaram…
Não se voltaram a falar, mas pensaram-se muitas vezes. Ele, lembrava-se da doçura e toque suave. Lembrava-se das palavras meigas e cabelos sedosos. Mas à medida que passavam os dias, começou a esquecer-se da razão que a levou a sair por aquela porta naquele dia.
Na lembrança dela, havia lugar para um imenso par de olhos castanhos, afundados numa pele morena de mãos grandes. Não poderia esquecer nunca aquela voz e riso felizes. O sorriso dele foi alimento de muitos sonhos em longas noites de Verão.
Deitada ao sol, na praia de Porto Côvo, onde as horas rendem para sol quente, banhos de mar morno e noites sossegadas, ela pensou nele com carinho. Também se tinha já esquecido o porquê de ter saído por aquela porta, naquele dia. Pensou ligar-lhe, mas achou melhor não… afinal, a vida continua. A dele não deve ser diferente.
No dia seguinte, enquanto bebia mais um sumo de laranja matinal, de sabor a férias, recordou o último beijo dos dois. Pegou no telefone e marcou o número dele… mas não fez a chamada. Afinal de contas, talvez fosse tarde demais.

Todos os dias ele acordou, desde o dia em que se deixou ficar a olhar para a televisão, com vontade de lhe ligar. Vontade que se deixava esbater com o primeiro café do dia e acabava com o terceiro, tomado a passos largos a meio da manhã.

Ela voltou de férias e tudo em si era vontade de lhe ligar, contrariando os motivos, esquecidos por ela, que a levaram a sair por aquela porta, naquele dia! Em todas as suas saídas procurou pelos olhos dele. Em todos os sorrisos, procurava o dele. Até que um dia, desistindo de lutar contra si, se obrigou a esquecer a vontade de lhe ligar.
Continuaram os dias a passar.

Um dia, cansado de esperar, ele próprio se obrigou a esquecê-la, em vão, limitando-se a arrumar a memória dela num canto da sua, no arquivo “sem esperança”.

Na cidade de coração dela, por caminhos antes percorridos com ele, sob a lembrança do seu olhar atento, com o qual via tudo o que ela lhe ia contando, sorvendo a cada palavra, gotas da paixão que começava a não conseguir segurar, ela se lembrou um dia de voltar a passear. Percorreu todos esses caminhos, recordando palavras, passos, gestos, na esperança de o encontrar nas memórias daquelas ruas, calçadas e paredes.
Sob um olhar surpreso viu a ilusão de um corpo moreno sentado na muralha da Sé a olhar o rio Douro, pensativo e pesado. Na esperança de conservar a miragem daquele corpo em tudo tão parecido com o dele, aproximou-se. Deixou-se ficar a sentir no ar o odor, daquelas costas largas, trazido em mãos pela brisa de um final de tarde e identificou nele o perfume dos olhos castanhos.

Sentia a sua pele quente, deixando-a arder sob o sol, para depois a sentir afagada pela brisa do rio, daquele fim de tarde, lembrava-o a doçura do toque dela. Relembrava todos os passos e todos os sentimentos, que manteve guardados no canto da sua memória, “sem esperança”… Deixou-se afundar na ilusão de que o toc-toc, ligeiro e suave que ouvia aproximar-se das suas costas e depois parar era o som dos sapatinhos dela.

Dois pensamentos, alimentados de ilusão voluntária, fundamentados no desejo de um reencontro casual. Dois corpos em presença num final de tarde no Porto.

A brisa amainou, foi-se a lembrança. O odor deixou de se sentir e o afagar suave do calor do sol, deixou um repente de desconforto na pele. Ele olhou para trás. Ela olhou para cima.
Não era ela. Não era ele.

Voltaram a olhar-se, aqueles dois corpos em presença e depois de passar o ligeiro ardor do sol nos seus olhos e a ligeira nébula da lembrança, que a ambos turvava o olhar… finalmente se viram. Era ela. Era ele.

Corações batendo, mãos frias, ele saltou da muralha e caminhou na direcção dela. E sem dizer uma palavra, afagou-lhe os cabelos com a mesma suavidade da brisa e ela matou saudades do beijo daquelas mãos grandes.

Ela não voltou a sair por nenhuma porta e ele não voltou a deixar-se ficar a olhar para a televisão. Os dias passaram e é assim, que na minha mágica cidade do Porto, os amores se encontram num final de tarde dourado, abafado, quente e húmido, deixando para sempre as lembranças de uma vida de amor em ruas, calçadas e pedras!

“Quem vem e atravessa o rio, junto à Serra do Pilar, vê um grande casario, que se estende até ao mar…”