quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Croniquice a duas vozes...


Hoje acordei e senti-me Sophia...


Olhei para o meu marido e para o seu corpo frio, dos suores da manhã, ainda deitado a meu lado e disse-lhe ao ouvido: “Amo-te”!


“Porquê?!” – Perguntou ele mudo, ainda perdido no sonho...

E eu respondi-lhe:


“Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.”


Continuou adormecido, sem se aperceber de mim.


Levantei-me em passos silenciosos e corri para o quarto da minha filha. Olhei-a dormindo no seu berço, tão sossegada e serena e pensei...

“Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa”

Beijei-a na testa e deixei-a dormir...

Entrei na sala, onde os primeiros raios de sol brilhavam e olhei pela janela para o mar... mar que me separa das coisas que mais amo, família e amigos, tia, pai, mãe...


“Quando a pátria que temos não a temos

Perdida por silêncio e por renúncia

Até a voz do mar se torna exílio

E a luz que nos rodeia é como grades”


Mas não me perdi em angústias, nem sufocos em demasia.


Abri a janela, precisava de respirar e então sonhei... e pensei...


“Se todo o ser ao vento abandonamos

E sem medo nem dó nos destruímos,

Se morremos em tudo o que sentimos

E podemos cantar, é porque estamos

Nus em sangue, embalando a própria dor

Em frente às madrugadas do amor.

Quando a manhã brilhar refloriremos

E a alma possuirá esse esplendor

Prometido nas formas que perdemos.”


A minha alma encheu-se de esplendor e senti-me “reflorir”, também eu, neste acordar.


"Cantei" encarando o mar, a sorte de ali me encontrar e jurei...


‘quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar’...