quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Vida na Ilha


Ontem em conversa com uma amiga dos tempos de faculdade, recentemente chegada da Índia e de partida marcada para Angola, fui surpreendida pela pergunta: “E então, mas afinal, como é a tua vida aí na ilha?!”… Não é assim tão surpreendente a pergunta, no sentido de ser original ou inusitada ou totalmente descabida, mas no mínimo esta pergunta surpreendeu-me, pela minha dificuldade na articulação de uma resposta! Já estava à espera desta pergunta, afinal de contas era a primeira vez que falava com ela, desde que aqui estou… e já muitas vezes antes dela, outras pessoas me fizeram esta mesma pergunta, com o mesmíssimo interesse e formulação… mas parece que à medida que o tempo vai passando, me vou apercebendo menos que estou, de facto, numa ilha! Se de início, todo aquele mar e a ideia de poder ver a ilha de um lado ao outro me assustava e intrigava ao mesmo tempo. Criando em mim, muitas vezes uma certa sensação contida e controlada de claustrofobia, agora… parece-me perfeitamente natural que assim seja, e embora veja o mar, todos os dias… já não penso tanto nele.

Bem, se das vezes anteriores, quando me fizeram esta pergunta eu me limitei a responder: “Bem, estou bem…está tudo bem! Normal! Mais relaxada e tal… é a vida normal do dia-a-dia!”, desta vez, e porque me pareceu que para esta minha amiga essa resposta não bastava, esforcei-me e dei-lhe a resposta que me pareceu mais sincera, a única na verdade, que de facto me ocorreu dar-lhe após semelhante quebra-cuca.
Engraçado como de início, quando para cá vim, achava surreal e absolutamente assustador o facto de existir apenas um shopping, 2 Modelos, nenhuma Benetton, nem Oisho. Isto a nível de lojas e possibilidades de banhos de “cidade” como eu lhes chamava. Mais horripilante ainda era pensar que por vezes as coisas esgotavam nas prateleiras dos hipers e que tínhamos que esperar até à próxima quinta-feira, para vir o produto por nós desejado… isto se viesse, porque havia uma forte possibilidade de não vir de todo essa semana, ou até mesmo na próxima! Outra coisa que me revoltava eram os serviços dos CTT, que se em semanas demoravam 5 dias a entregar correspondência, noutras demoravam 10… só mais tarde percebi o porquê, para além da diferença do envio por avião ou barco da mesma, havia a forte influência da incompetência do carteiro da zona, que sendo substituído uns tempos, abriu lugar a um ainda pior!
Nas minhas primeiras semana cá na ilha, metia-me confusão que as pessoas na caixa, parassem de trabalhar para se pôr à conversa com os clientes e que toda a gente parasse na rua para saudar a minha filha, elogiá-la, brincar com ela, despedindo-se depois dizendo, em bom micaelense: “Saûdinha pa criá!”, frase que só decifrei após umas três vezes de a ter ouvido.
Irritava-me de morte a azelhice óbvia de muitos condutores da ilha. Só mais tarde percebendo que aqui muitos aprenderam a conduzir sem nunca terem entrado numa rotunda ou VCI, sem usar os espelhos e bla, bla, bla.
Outra coisa que me enervava era o facto de toda a gente parecer conhecer-se e o meu desejado anonimato era desfeito ao fim de uma semana, com quem quer que fosse!

Hoje, já não estranho nada disso e só me lembrei que vivia numa ilha, quando na semana passada ouvi a minha mãe a dizer algo óbvio à minha filha, com ela ao colo, escutando atentamente ao olharem as duas pela janela para o mar: “ Sabes amor, é este mar todo que nos separa… a ti e à mamã da Vovó e do Vovô!”. Era verdade! Mas só ao ouvi-la dizer aquilo e ao pensar no efeito que isso teria para a minha filha se ela a percebesse é que dei por mim a pensar, que de facto, é toda esta água que nos separa… uma água de um azul nunca visto, transponível apenas por ocasionais viagens de avião, emails, sms’s ou telefonemas diários… mas sabem que mais, isso já não me assustou! Assim como já não me irritam as pessoas que passaram a ser minhas conhecidas ou amigas, ou aquelas que também eu agora reconheço e cumprimento. Agora, sou eu que muitas vezes paro na caixa, cumprimentando a pessoa que lá está, fazendo conversa de ocasião e empatando a fila! Os banhos de shopping que de início tanta falta me faziam, foram substituídos por passeios na praia, na natureza, convívios com amigos e tempo caseiro de qualidade para a família. Não me lembro sequer da rapidez e eficácia (ou falta dela) dos CTT, porque já não conto com ela. Aprendi a relaxar na estrada e acho que lentamente também eu me estou a transformar numa azelha ao volante!

Daí que a minha resposta á minha amiga tenha sido a mais óbvia de todas e a única que lhe posso dar:“ A minha vida na ilha, é como a tua por esses continentes fora, que no fundo não passam de grandes ilhas… todos eles! Com a vantagem de nesta ilha eu viver, escrever, falar e amar intensamente em português!”

Resumindo, a vida na ilha é boa! Corre sobre rodas, só temos que nos adaptar fazendo pequenos ajustes de mentalidade, que vêm com o tempo e nos trazem uma calma, uma serenidade, uma paz de espírito tal, que só é possível sentir nos Açores, onde os nossos pensamentos fluem entre barreiras de água azul e profunda com ocasionais lagos verdes e vegetação diversa e fértil. A minha vida na ilha é mesmo assim…

4 comentários:

  1. Este rótulo "Anónimo" persegue-me!
    Gostei deste texto... a tua vida na ilha, uma vida como todas as outras em locais próximos ou não tanto... conheceste, adaptaste, criaste o teu canto na ilha..beijinho*

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  2. Ser ilheú
    não é sinónimo de solidão nem isolamento, porque o mar que nos separa é o mesmo que nos une...
    Ser ilhéu
    é ver respeitado o nosso espaço e simultâneamente sentirmo-nos sempre ligados por laços imperceptíveis...
    Ser ilhéu
    É aprender a dar tempo ao tempo e esperar as surpresas que o tempo nos traz, porque o tempo é professor de vida e há liçoes de que só o tempo é capaz...

    Mulher 1000-h...Descobriste uma outra forma de amar..
    Bjinhos!!!!

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  3. Vim retribuir a visita e fiquei muito contente, pois adoro descobrir novos blogues cuja escrita me prende logo de início. E foi o que aconteceu. Resolvi comentar este post por conhecer tão bem a Ilha de S. Miguel (a ilha da família materna do meu marido) e que amo como se fosse "a minha terra". Vou voltar ;)

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  4. Anónimo: pena não te ter aqui... :(

    Anie: Acho que tens toda a razão e não o poderia ter dito melhor ou de forma mais sentida e poética! Obrigada pela tua leitura fiel e atenta e comentários sempre brilhantes! ;) É um prazer partilhar esta ilha com pessoas como tu e a tua família... Obrigada por tudo o que têm feito por mim! Sério! :)

    Bê: vindo da dona daquele blog que é um "doce", esse teu elogio e visita cairam que nem ginjas... Espero que voltes e continues a gostar! E quem sabe se não nos cruzamos por terras de S.Miguel?! Mesmo sem saber?! É engraçado pensar no mundo assim... como uma grande ilha! :)

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