segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Pés de Galinha e Trapos


A Velhice. Só a palavra já me irrita, porque eu sempre ouvi dizer que “velhos são os trapos”. A terceira idade também não me agrada mais, porque me faz lembrar de qualquer coisa ao estilo de 3ª classe, ou económica, por oposição a uma 1ª classe de luxo. As rugas não me chocam, a debilitação de corpo e mente já me chocam um bocadinho mais! Tenho respeito pelos cabelos brancos e adoro uma bela de uma ruga de expressão, porque leio sempre nela, muito mais histórias até talvez, do que aquelas que de facto ela já viveu! Ontem, dei por mim ao espelho, por volta da meia-noite, com a cara entre as mãos a dizer baixinho: “Tenho 29 anos! 29 anos!”, como se com esse “mantra” me esquecesse das tareias que a vida às vezes nos dá... querendo-nos encostar para um canto, carregando-nos a expressão de muito mais idade, do que aquela que de facto temos! Até agora tenho 29 anos de viagens, amores, paixões, roupas, coisas divertidas, concertos, gargalhadas, espectáculos, emoções fortes e momentos dramáticos, mas como num bom filme de curta-metragem, elas já só me aparecem em síntese à frente dos olhos, como síncope de momentos breves, momentos alguns que me parecem bem longe no tempo já. “Tenho 29 anos.”. Quero viver até aos 100, mas recuso-me a envelhecer. No dia em que me olharem com pena, me derem um “chega para lá que estás velha”, me lerem nos olhos a dor, que já não consiga expressar, me enfiarem num lar, como “passarinho na gaiola”, juro que morro. Porque se não puder rir, saltar, correr, viajar, comer livremente e dormir onde quiser, não serei mais eu... posso continuar a existir, mas não estarei a viver. E por isso me custa tanto falar da “velhice”, daquela idade que ninguém quer, daquele tempo, que todos esperamos que chegue, mas de que todos fugimos a sete pés quando o sentimos a chegar! Antes dar um cadáver bonito, já dizia Oscar Wilde: "Viva depressa, morra jovem e seja um cadáver atraente". Mas ninguém quer morrer jovem, toda a gente quer viver muito tempo! Estranho é que depois não se atribua mérito nenhum a quem o fez! Os “trapos” são um estorvo para esta sociedade que vive do belo, do jovem, do rápido, do dinâmico e do eficaz... pois eu trocava tudo isso pela contemplação, pelo segundo do momento em que um velho me conta a mesma história pela milionésima vez... e que eu ouço, como se fosse a primeira! Porque eu sei, que um dia serei eu, um dia vou ser eu a querer contar esta história pela enésima vez, e vou querer que a oiçam, porque esse tempo de antena que me irão dar, será a janela para o passado, que tanto todos gostamos de recordar! Envelhecer é inevitável, ficar doente é provável, mas deixarmo-nos morrer por falta de quem nos oiça e acompanhe... isso, isso é pura e simplesmente imperdoável! Porque enquanto alguém nos ouvir e contar a nossa história, a nossa existência terá deixado de ser em vão e a nossa marca continua! De facto, aquilo que de melhor me poderão fazer quando morrer será ter-me ouvido, alguma vez, em algum lugar e lembrar...
Quando penso na forma como encaramos a velhice e lidamos com ela neste País, juro que tenho vergonha! Ganho tremores pudicos de culpada acabadinha de lavar as mãos... como se já não bastasse a morte das células que não podemos evitar, ainda nos enterram em vida, virando a cara, tapando o nariz, fazendo de conta que não estamos de facto ali!
O processo de envelhecer não me incomoda... o que me mata é saber que um dia, a “Velha” vou ser eu!

*a minha participação #3*

7 comentários:

  1. Todos caminhamos para velhos, uns chegarão outros não. É a roda da vida, por isso temos que aproveitar enquanto a velhice não chega! bjs

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  2. "Tenho 29 anos" foi a parte que me marcou mais.

    A verdade é que todos temos 29 anos, todos pensamos da mesma forma, todos sofremos com os outros e todos receamos quando for a nossa vez. E ela chegará. É assim, não há nada a fazer a não ser aproveitar e viver da melhor forma possível.

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  3. Magnifico texto, no entanto falas de uma "quase-certeza" inevitável... duvido que a sociedade mude neste ou no próximo século...

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  4. Imagina-te agora sem capacidades físicas para te cuidares e notares que te tratam pior do que se tratam os trapos. É que de trapos gostam eles, podem ter defeitos, serem feios, mal cozidos mas desde que estejam na moda. Quando chegará a moda de tratar com dignidade os velhos? Antigamente os filhos sentiam-se na obrigação de tratar e acarinhar os pais, hoje sentem-se na obrigação de os afastarem. Já deram tudo, nada mais têm para dar, que interesse podem ter? É triste mas é assim que eles são tratados e vistos. Beijinhos

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  5. Verdade querida Silvia, bem verdade!
    Só pra veres, mesmo agora vim de um blog aqui ao lado, onde uma miúdinha comentava que a fotografia lhe tinha parecido e cito: uma velha quarentona....por isso podes ver a velocidade com que se envelhece hoje em dia, btw, eu já sou uma velha quarentona rssss, e já tenho tantas coisas pra contar, e já quero que me ouçam, e ainda não sei como explicar esta coisa do tempo. Aproveita muito, e muito bem todas as gargalhadas, são essas as que eventualmente poderão vir a ser mais escassas no futuro, substituidas por sorrisos. Como diz a Poetic aqui mesmo em cima, é uma roda, minha amiga!
    Beijinhos

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  6. mais um texto belíssimo.
    também eu não tenho medo das rugas mas sim da força da máquina... do motor começar a funcionar a meio gás e puf puf andar a arrastar-se pelos dias. não quero isso.
    quero ver em cada dia um novo desafio... até ao último...

    tarefa árdua:P

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  7. Pois é...

    já dizia a Mafalda Veiga:
    "Sabes eu acho que todos fogem de ti, p´ra não ver a imagem da solidão que irão viver quando forem como tu... um velho sentado num jardim."

    Aqui estão duas fortes chamadas de atenção:
    1ª relativamente à forma como olhamos aqueles que caminham mais lentamente devido ao peso dos anos que carregam;

    2ª em relação ao filhos que hoje educamos e que amanhã nos vão olhar segundo aquilo que aprenderem.


    P.S. - Adorei o new look...não fosse o azul a minha cor favorita!!!

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