quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Anjos Cansados - no AO 28.01.10

Há uns tempos atrás, num dos meus dias mais tristes escrevi isto:
«Na hora em que os anjos se cansam o desânimo é rei. E hoje, tudo em mim é tédio.
Um tédio de sentir as saudades de quem amo e me falta, nos momentos em que os anjos me abandonam à solidão de uma solitária ilha, inundada de casas e pessoas vazias e sorrisos sem significado e palavras mortas presas em lábios roxos, secos de significado e significação.
Na hora em que os anjos se cansam a saudade é rainha. (...)
Perdida em viagens, dentro de mim mesma, procurando o porquê deste meu sentir triste e pesado, lembro-me que é possível, que um dia, até mesmo os anjos se cansem.
Não há anjo que aguente o peso de um coração carregado de saudades, e hoje todo o bater do meu são palavras mudas que envio a quem me falta.
Na hora em que os anjos descansam as minhas palavras pesam. Pesam e falham a tradicional alegria que as marca. Marcando a ausência de uma ausência sentida, pesada e pensada, amarrada e obrigada ao exílio de uma ilha familiar. Ruas e pedras e estradas e campos, vazios. O retrato da minha alma. O reflexo do meu ser e estar.
Não há ausência mais sentida, do que a ausência de nós mesmos. E hoje ausentei-me de mim, juntamente com o meu anjo cansado, na hora em que decidiu descansar! Finalmente sós. Os dois.
Carrego em mim hoje todo o peso de uma falha, falta, ausência, lacuna, vazio. Um deserto abalado pela minha vontade de lhe resistir. Hoje, na hora em que os anjos se cansam, não houve lugar a pensamentos floridos, lugares comuns ou ideias brilhantes. Nesta hora descanso… não é fácil lutar contra um mundo, que não se entende, não se percebe. Não é fácil encontrar justificações constantes para um mundo triste, feio, sujo, sem esperança, corrupto, cruel. Hoje, na hora em que os anjos se cansam trago em mim todo o peso do mundo (...) Hoje, nesta hora solitária, desmistifico a vida e limito-me a senti-la, sem choro, sem riso, sem expressão nem desejos.
Hoje, na hora em que os anjos se cansam, espero desesperançada carregando nos ombros o peso de um anjo cansado, que hoje decidiu descansar.»
E voltei a este texto, porque hoje, vi na teoria dos anjos cansados a única explicação possível para que uma criança inocente adoeça gravemente. A Sofia (7 meses), o Afonso (6 anos) e tantos outros entre estas idades sofrem de Leucemia e esperam esperançosos que os seus anjos não se cansem. O meu não se cansou na altura em que me ofereci como dadora de medula óssea, há uns quatro anos atrás. E o seu anjo, como está?!

7 comentários:

  1. O meu anjo não anda lá muito contente comigo, não. :$


    *

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  2. Que texto fantástico Sílvia!

    Continuas a surpreender-me!

    Será que os anjos também têm sindicato? E se eles se lembram de fazer greve... estamos perdidas!

    Ah... não... espera!

    Há que assegurar os serviços mínimos, senhoras e senhores!!!

    ;)

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  3. Olá...

    Dos milhares e milhares de sentidas palavras que li neste blog...estas dos "anjos cansados" foram um passaporte de ida a um mundo onde me perdi numa miscelânia de sentimentos... e me encontrei nas lágrimas caladas que me brotaram do peito.
    Lembrei-me de todos os anjos que cruzaram o trilho da minha vida e de alguma forma me salvaram.
    Ao mesmo tempo que recordei as vezes em que me deixei guiar pelas asas do coração e também fui o anjo de alguém.

    Talvez o sentido da vida esteja nos momentos em que nos deixamos conduzir pelas asas ocultas e agimos em prol de um bem maior.

    Um bjinho de saudades... anie

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  4. O meu anjo ultimamente anda um bocadito em baixo, já notaste não? Um bocadinho desanimado, não com a vida mas com este país e com o rumo que isto está a tomar. Continuo a pensar coisas muito más sobre o nosso destino e como me preocupo com o que me rodeia ando desanimadinha. Mas mesmo neste estado não posso deixar de elogiar este teu post, que está coberto de sentimento, e elogiar a tua coragem por teres sido dadora de medula óssea. Por aqui não há essa oportunidade mas, como sou sempre sincera, sabes que sim,vou dizer que não daria. Porquê? Tenho TERROR de hospitais. As vezes que tive que lá ir, quando me vi na rua chorei compulsivamente. Espero que nunca mais seja necessário. Porquê este medo? Não sei. Trabalhei tantos anos num, adorava lá trabalhar, adorava atender os doentes, tenho saudades desses tempos. Que mudou? Talvez os problemas de saúde que tive depois e por azar não encontrei os médicos certos. Não tinha coragem para doar, não mesmo, não confio nada nos médicos.
    Beijinhos

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  5. Ginger: Tá Mal! Que é que tu fizeste ao gajo?! :)

    Paula: Os anjos são amigos... mesmo que tivessem sindicato não faziam greve... só se cansam, às vezes! Creio eu!

    Anie: Minha querida, que saudades das tuas leituras! Obrigada por tudo! :)

    Brown Eyes: Atenção... para que fique bem claro, eu ofereci-me como dadora, mas até hoje ainda niguém precisou de mim!
    Em relação à tua segunda questão... a de falta de confiança nos Médicos, eu sempre soube que eles eram apenas humanos... e há coisas que nem eles conseguem controlar! De qualquer das formas ainda no outro dia tive uma "discussão" com um colega, que me chamou louca por achar que ficava feliz em doar a minha medula a alguém, mesmo ciente dos riscos que correrei... sabes porquê?! Porque se fosse a minha filha ou o meu marido, eu gostava que alguém tivesse essa coragem por eles! ;) - Anyways, també odeio hospitais! Acho que ninguém gosta... mas por vezes são tão necessários!!! E para o bem e para o mal, ainda bem que os temos! Não é?! Beijinhos linda!

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  6. Por vezes apercebo-me que existem de facto forças maiores e que nos transcendem... que nos invadem... a figura do anjo não é religiosa, mitológica ou fantasiosa... é simplesmente humana.
    Parabéns Silvia um dos textos mais poéticos que já li!

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  7. O meu anjinho chamou reforços... é que isto à vezes complica... ;p

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